Duas ex-funcionárias da empresa Engkraft Ltda., situada em Curitiba (PR), foram condenadas à pena de 2 anos e 9 meses de reclusão e a 30 dias-multa por terem apresentado diversos atestados médicos falsos para obterem dispensa do trabalho. Elas cometeram o crime de uso de documento falso, tipificado no art. 304 do Código Penal.
Todavia, como faculta a lei, a pena privativa de liberdade foi substituída por duas outras restritivas de direito, quais sejam, prestação de serviços comunitários e interdição temporária de direitos.
Essa decisão da 2.ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná reformou, em parte (apenas para readequar a pena imposta), a sentença do Juízo da 6.ª Vara Criminal do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba que julgou procedente a denúncia formulada pelo Ministério Público.
O recurso de apelação
Inconformadas com a sentença, as rés (C.S. e S.B.M.) interpuseram recurso de apelação alegando que: a) trata-se de crime impossível, pois os atestados médicos foram grosseiramente falsificados; b) a conduta praticada pelas apelantes é atípica, pois não há crime quando a conduta não oferece perigo concreto e real, como no caso em tela; c) a culpabilidade é mínima, pois o crime não foi premeditado, nem planejado; d) os motivos e as consequências do crime são comuns; e) as circunstâncias do crime derivam do próprio ato delituoso, não se podendo afirmar com certeza que as rés apresentavam conjuntamente os atestados visando causar transtornos à empresa que trabalhavam; f) deve ser reduzida a pena por ter sido a vítima negligente, já que não percebeu a falsificação grosseira; g) a pena de multa aplicada é discrepante em relação à situação econômica das apelantes, sendo impossível de ser quitada por elas.
Ao final, pugnaram pela absolvição por atipicidade de conduta ou, alternativamente, a aplicação da pena em seu mínimo legal e a não aplicação da pena de multa ou sua redução também ao mínimo legal.
O voto da relatora
A relatora do recurso de apelação, juíza substituta em 2.º grau Lilian Romero, consignou de início: "As apelantes foram denunciadas e condenadas em primeiro grau por uso de documento falso (art. 304 do CP), pois apresentaram diversos atestados médicos falsos para se ausentar do trabalho".
"Alegam, inicialmente, que o crime era impossível, pois a falsificação dos atestados médicos era grosseira, sendo ineficaz o meio empregado para o cometimento do ilícito."
"Ao contrário do alegado pelas apelantes, porém, analisando-se os ‘atestados médicos' juntados aos autos às fs. 51/56, não se vislumbra a pretensa falsificação grosseira. Ao contrário, os aludidos documentos têm toda a aparência de regularidade, até porque atestados médicos não são documentos formais, podendo se apresentar sob diversas formas de redação, não exigem papel base específico (como nos documentos oficiais: carteira de identidade, CNH, passaporte, etc.), além de os pretensos subscritores serem múltiplos (no caso, qualquer médico), o que torna a averiguação da pretensa falsificação da assinatura ainda mais difícil."
"Ademais, no caso concreto, a vítima, proprietário da empresa onde as apelantes trabalhavam, não notou, prima facie, a falsificação, tanto que lhes concedeu, em todas as ocasiões, a dispensa do trabalho e manteve a remuneração correspondente às licenças."
"A falsidade somente foi descoberta em razão de as apelantes terem abusado do expediente, usufruindo de frequentes licenças e afastamentos, o que levou o proprietário da empresa – Anderson E. Kraft – a procurar o Posto de Saúde do Boqueirão para tentar que o INSS pagasse a remuneração correspondente aos afastamentos. Nesta ocasião, foi informado que as apelantes não haviam feito as consultas com os médicos que supostamente firmavam os atestados, nas datas dos documentos. Verificou-se, assim, que os atestados eram falsos, assim como as assinaturas. A falsidade foi comprovada também pericialmente pelo laudo de exame grafotécnico de fs. 73/74, que comprovou que a assinatura aposta não era autêntica."
"Desta forma, afasta-se a tese de que a falsificação era grosseira."
"Por outro lado, é inequívoco que as apelantes fizeram uso dos atestados falsos, na medida em que os apresentaram ao patrão, em diversas oportunidades, sempre visando à dispensa remunerada do trabalho."
"Também é certo que as apelantes tinham ciência da falsificação, uma vez que não tinham feito as consultas."
"A condenação das apelantes, assim, deve ser confirmada." "Assiste-lhes razão parcial, todavia, ao se insurgirem contra a dosimetria da pena."
"A pena-base foi fixada em 3 anos e 6 meses de reclusão e 141 dias-multa a crime (art. 304 do CP) que prevê uma pena mínima de 2 anos de reclusão e multa."
"O Magistrado a quo ponderou de forma desfavorável quatro das circunstâncias judiciais do art. 59 do CP (de onde se infere que exasperou a pena-base em 4 meses e 15 dias para cada uma), sob a seguinte fundamentação: ‘a) Culpabilidade: a conduta revela grau de culpabilidade da agente incomum à normalidade, na medida em que a ré apresentava atestados falsificados com licenças médicas válidas por período inferior àquele necessário para planejamento da conduta. Assim, considerando que a culpabilidade foi agravada, a pena deve ser majorada; b) Antecedentes: a ré não registra maus antecedentes (fls. 101); c) Conduta social: inexistem elementos para sua valoração; d) Personalidade: deixo de valorar diante da falta de elementos para tanto; e) Motivos: os atestados falsos eram apresentados para que a ré pudesse, sob o pretexto de licença médica, ausentar-se do trabalho por vários dias seguidos, embora continuasse a perceber regularmente seus vencimentos. Tal motivação, por divergir das comuns, merece ser valorada negativamente; f) Circunstâncias: a pena deve ser elevada em face das circunstâncias do delito, que também divergiram das comuns, na medida em que, segundo a vítima, as rés, que trabalhavam em turnos diferenciados (uma pela manhã e uma pela tarde), apresentavam os atestados ao mesmo tempo, causando maiores transtornos à empresa em que trabalhavam como secretárias; g) Consequências: as consequências também extrapolam as previstas no tipo, já que a vítima pagava como dias trabalhados o período em que a ré deixava de comparecer ao expediente, sob o pretexto de estar em licença médica, sustentada pelos atestados contrafeitos; h) Comportamento da vítima: não se pode dizer que contribuíram para a concreção do delito'."
"Com relação à culpabilidade, é inequívoca a maior censurabilidade da conduta, visto que ficou evidenciado o planejamento e articulação da ação por parte das apelantes, visando inclusive se subtrair à licença pelo INSS, que as forçaria a se submeter a perícia médica."
"Já os motivos – possibilitar às rés ausentar-se do trabalho sem prejuízo de sua remuneração – são inerentes ao crime, não se justificando a exasperação correspondente."
"Por outro lado, as circunstâncias do cometimento do crime, de forma simultânea por parte das duas apelantes, que trabalhavam na mesma empresa, mas em turnos diferentes, causando deliberadamente transtornos à atividade empresarial justificam, sim, a exasperação da pena-base."
"Por fim, as consequências referidas (o dispêndio pela empresa dos dias não trabalhados pelas apelantes), não autorizam a exasperação, até porque não há informe nos autos do montante correspondente ao prejuízo nem da sua repercussão na saúde financeira da empresa empregadora."
"Deste modo, a pena-base deve ser readequada para 2 anos e 9 meses de reclusão e 30 dias-multa."
"À falta de outras causas modificadoras da pena, torno-a definitiva em 2 anos e 9 meses de reclusão e 30 dias-multa (estes fixados no valor unitário de 1/30 do salário-mínimo vigente à época dos fatos)."
"Mantém-se o regime inicial aberto, bem como a substituição da pena corporal por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e interdição temporária de direitos."
"Voto, assim, no sentido de dar parcial provimento ao recurso para o fim de reduzir a pena aplicada as apelantes para 2 anos e 9 meses de reclusão e 30 dias-multa."
A sessão de julgamento foi presidida pelo desembargador José Maurício Pinto de Almeida, e dela participaram os juízes substitutos em 2.º grau Joscelito Giovani Cé e Carlos Augusto de Altheia de Mello, os quais acompanharam o voto da relatora.
(Apelação Criminal n.º 765241-3)
Essa decisão da 2.ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná reformou, em parte (apenas para readequar a pena imposta), a sentença do Juízo da 6.ª Vara Criminal do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba que julgou procedente a denúncia formulada pelo Ministério Público.
O recurso de apelação
Inconformadas com a sentença, as rés (C.S. e S.B.M.) interpuseram recurso de apelação alegando que: a) trata-se de crime impossível, pois os atestados médicos foram grosseiramente falsificados; b) a conduta praticada pelas apelantes é atípica, pois não há crime quando a conduta não oferece perigo concreto e real, como no caso em tela; c) a culpabilidade é mínima, pois o crime não foi premeditado, nem planejado; d) os motivos e as consequências do crime são comuns; e) as circunstâncias do crime derivam do próprio ato delituoso, não se podendo afirmar com certeza que as rés apresentavam conjuntamente os atestados visando causar transtornos à empresa que trabalhavam; f) deve ser reduzida a pena por ter sido a vítima negligente, já que não percebeu a falsificação grosseira; g) a pena de multa aplicada é discrepante em relação à situação econômica das apelantes, sendo impossível de ser quitada por elas.
Ao final, pugnaram pela absolvição por atipicidade de conduta ou, alternativamente, a aplicação da pena em seu mínimo legal e a não aplicação da pena de multa ou sua redução também ao mínimo legal.
O voto da relatora
A relatora do recurso de apelação, juíza substituta em 2.º grau Lilian Romero, consignou de início: "As apelantes foram denunciadas e condenadas em primeiro grau por uso de documento falso (art. 304 do CP), pois apresentaram diversos atestados médicos falsos para se ausentar do trabalho".
"Alegam, inicialmente, que o crime era impossível, pois a falsificação dos atestados médicos era grosseira, sendo ineficaz o meio empregado para o cometimento do ilícito."
"Ao contrário do alegado pelas apelantes, porém, analisando-se os ‘atestados médicos' juntados aos autos às fs. 51/56, não se vislumbra a pretensa falsificação grosseira. Ao contrário, os aludidos documentos têm toda a aparência de regularidade, até porque atestados médicos não são documentos formais, podendo se apresentar sob diversas formas de redação, não exigem papel base específico (como nos documentos oficiais: carteira de identidade, CNH, passaporte, etc.), além de os pretensos subscritores serem múltiplos (no caso, qualquer médico), o que torna a averiguação da pretensa falsificação da assinatura ainda mais difícil."
"Ademais, no caso concreto, a vítima, proprietário da empresa onde as apelantes trabalhavam, não notou, prima facie, a falsificação, tanto que lhes concedeu, em todas as ocasiões, a dispensa do trabalho e manteve a remuneração correspondente às licenças."
"A falsidade somente foi descoberta em razão de as apelantes terem abusado do expediente, usufruindo de frequentes licenças e afastamentos, o que levou o proprietário da empresa – Anderson E. Kraft – a procurar o Posto de Saúde do Boqueirão para tentar que o INSS pagasse a remuneração correspondente aos afastamentos. Nesta ocasião, foi informado que as apelantes não haviam feito as consultas com os médicos que supostamente firmavam os atestados, nas datas dos documentos. Verificou-se, assim, que os atestados eram falsos, assim como as assinaturas. A falsidade foi comprovada também pericialmente pelo laudo de exame grafotécnico de fs. 73/74, que comprovou que a assinatura aposta não era autêntica."
"Desta forma, afasta-se a tese de que a falsificação era grosseira."
"Por outro lado, é inequívoco que as apelantes fizeram uso dos atestados falsos, na medida em que os apresentaram ao patrão, em diversas oportunidades, sempre visando à dispensa remunerada do trabalho."
"Também é certo que as apelantes tinham ciência da falsificação, uma vez que não tinham feito as consultas."
"A condenação das apelantes, assim, deve ser confirmada." "Assiste-lhes razão parcial, todavia, ao se insurgirem contra a dosimetria da pena."
"A pena-base foi fixada em 3 anos e 6 meses de reclusão e 141 dias-multa a crime (art. 304 do CP) que prevê uma pena mínima de 2 anos de reclusão e multa."
"O Magistrado a quo ponderou de forma desfavorável quatro das circunstâncias judiciais do art. 59 do CP (de onde se infere que exasperou a pena-base em 4 meses e 15 dias para cada uma), sob a seguinte fundamentação: ‘a) Culpabilidade: a conduta revela grau de culpabilidade da agente incomum à normalidade, na medida em que a ré apresentava atestados falsificados com licenças médicas válidas por período inferior àquele necessário para planejamento da conduta. Assim, considerando que a culpabilidade foi agravada, a pena deve ser majorada; b) Antecedentes: a ré não registra maus antecedentes (fls. 101); c) Conduta social: inexistem elementos para sua valoração; d) Personalidade: deixo de valorar diante da falta de elementos para tanto; e) Motivos: os atestados falsos eram apresentados para que a ré pudesse, sob o pretexto de licença médica, ausentar-se do trabalho por vários dias seguidos, embora continuasse a perceber regularmente seus vencimentos. Tal motivação, por divergir das comuns, merece ser valorada negativamente; f) Circunstâncias: a pena deve ser elevada em face das circunstâncias do delito, que também divergiram das comuns, na medida em que, segundo a vítima, as rés, que trabalhavam em turnos diferenciados (uma pela manhã e uma pela tarde), apresentavam os atestados ao mesmo tempo, causando maiores transtornos à empresa em que trabalhavam como secretárias; g) Consequências: as consequências também extrapolam as previstas no tipo, já que a vítima pagava como dias trabalhados o período em que a ré deixava de comparecer ao expediente, sob o pretexto de estar em licença médica, sustentada pelos atestados contrafeitos; h) Comportamento da vítima: não se pode dizer que contribuíram para a concreção do delito'."
"Com relação à culpabilidade, é inequívoca a maior censurabilidade da conduta, visto que ficou evidenciado o planejamento e articulação da ação por parte das apelantes, visando inclusive se subtrair à licença pelo INSS, que as forçaria a se submeter a perícia médica."
"Já os motivos – possibilitar às rés ausentar-se do trabalho sem prejuízo de sua remuneração – são inerentes ao crime, não se justificando a exasperação correspondente."
"Por outro lado, as circunstâncias do cometimento do crime, de forma simultânea por parte das duas apelantes, que trabalhavam na mesma empresa, mas em turnos diferentes, causando deliberadamente transtornos à atividade empresarial justificam, sim, a exasperação da pena-base."
"Por fim, as consequências referidas (o dispêndio pela empresa dos dias não trabalhados pelas apelantes), não autorizam a exasperação, até porque não há informe nos autos do montante correspondente ao prejuízo nem da sua repercussão na saúde financeira da empresa empregadora."
"Deste modo, a pena-base deve ser readequada para 2 anos e 9 meses de reclusão e 30 dias-multa."
"À falta de outras causas modificadoras da pena, torno-a definitiva em 2 anos e 9 meses de reclusão e 30 dias-multa (estes fixados no valor unitário de 1/30 do salário-mínimo vigente à época dos fatos)."
"Mantém-se o regime inicial aberto, bem como a substituição da pena corporal por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e interdição temporária de direitos."
"Voto, assim, no sentido de dar parcial provimento ao recurso para o fim de reduzir a pena aplicada as apelantes para 2 anos e 9 meses de reclusão e 30 dias-multa."
A sessão de julgamento foi presidida pelo desembargador José Maurício Pinto de Almeida, e dela participaram os juízes substitutos em 2.º grau Joscelito Giovani Cé e Carlos Augusto de Altheia de Mello, os quais acompanharam o voto da relatora.
(Apelação Criminal n.º 765241-3)
Fonte: TJPR
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