sábado, 7 de janeiro de 2012

Royalties do pré-sal.


 " Não aceitamos a natureza tributária dos royalties sustentada por parcela da doutrina. A compensação financeira não decorre da relação de poder como acontece com os tributos, mas da relação de propriedade, isto é, ela envolve contraprestação de bens pertencentes à União ".

O que é o pré-sal?

O termo pré-sal refere-se a um conjunto de rochas localizadas nas porções marinhas de grande parte do litoral brasileiro, com potencial para a geração e acúmulo de petróleo. Convencionou-se chamar de pré-sal porque forma um intervalo de rochas que se estende por baixo de uma extensa camada de sal, que em certas áreas da costa atinge espessuras de até 2.000m. O termo pré é utilizado porque, ao longo do tempo, essas rochas foram sendo depositadas antes da camada de sal. A profundidade total dessas rochas, que é a distância entre a superfície do mar e os reservatórios de petróleo abaixo da camada de sal, pode chegar a mais de 7 mil metros.

As maiores descobertas de petróleo, no Brasil, foram feitas recentemente pela Petrobras na camada pré-sal localizada entre os estados de Santa Catarina e Espírito Santo, onde se encontrou grandes volumes de óleo leve. Na Bacia de Santos, por exemplo, o óleo já identificado no pré-sal tem uma densidade de 28,5º API, baixa acidez e baixo teor de enxofre. São características de um petróleo de alta qualidade e maior valor de mercado.

O pré-sal é uma extensa área (são 149 milhões de quilômetros quadrados) localizada de 5 mil a 7 mil metros abaixo da superfície do mar e a mais de 300 quilômetros da costa dos estados do Espírito Santo, do Rio de Janeiro e de São Paulo. Nesta região, a Petrobras encontrou pe­­tróleo de alta qualidade e no ano passado começou a explorá-lo em pequenas quantidades. Estimativas apontam que toda a camada pode conter até 80 bilhões de barris de petróleo. Se as projeções do governo e de estudiosos estiverem corretas, a descoberta pode colocar o Brasil entre os dez maiores países produtores do mundo.

O que são royalties do petróleo?

A mídia batizou de "royalties" a compensação financeira referida no § 1°, do art. 20 da CF in verbis:
"§ 1º - É assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração."
A inclusão no texto de órgãos federais, que não têm personalidade jurídica própria, como beneficiários dessa retribuição pecuniária deve ser entendida como entrega de recursos financeiros à União com destinação preestabelecida na forma da lei.

Outrossim, é importante observar, desde logo, que a expressão "no respectivo território" constante do texto constitucional vincula os Estados e os Municípios beneficiários da compensação financeira.


Quem paga os royalties?
A compensação financeira foi instituída pela Lei n° 7.990 de 28-12-1989, sendo que a sua distribuição é regulada pela Lei n° 8001/90.
Nos termos da Lei n° 8.001, de 13-3-1990, essa compensação é devida:

a) pelos concessionários de serviço de energia elétrica pela utilização dos recursos hídricos na base de 6,75% sobre o valor da energia elétrica produzida;

b) pelos titulares de direito de recursos minerais pela sua exploração na base de até 3% sobre o valor do faturamento líquido resultante da venda do produto mineral (art. 6º, da Lei nº 7.990/89) ;

c) pela Petrobrás e suas subsidiárias, pela extração de óleo bruto e gás natural na base de 10% sobre o valor de venda desses produtos, podendo ser reduzido até ao mínimo de 5% (art. 47 e § 1° da Lei n° 9.478/97) .

Quem são os beneficiários?

I) No que tange à exploração de energia elétrica:

a) 45% aos Estados e 45% aos Municípios em cujos territórios se localizam as instalações destinadas à produção de energia elétrica ou tenham sido invadidas pelas águas dos respectivos reservatórios;

b) 3% ao Ministério do Meio Ambiente;

c) 3% ao Ministério de Minas e Energia;

d) 4% ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico FNDCT.

II) No que tange a recursos minerais:
a) 23% para os Estados e o Distrito Federal;

b) 65% para os Municípios;

c) 2% para o FNDCT;

d) 10% para o Ministério de Minas e Energia para serem separados ao Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM – que deverá destinar 2% à proteção mineral em regiões mineradoras, por intermédio do IBAMA.

III) No que tange à exploração de petróleo e gás natural:

1.Até 5% do valor da produção:

a) 70% aos Estados produtores;

b) 20% aos Municípios produtores;

c) 10% aos Municípios onde se localizarem instalações marítimas ou terrestres de embarque ou desembarque de óleo bruto e/ou gás natural.

2.No que exceder os 5% do valor da produção, de acordo com o art. 49 da Lei n° 9.478, de 6-8-1999:

2.1- Quando a lavra ocorrer em terra ou em lagos, rios, ilhas fluviais e lacustres:

a) 52.5% aos Estados onde ocorrer a produção;

b) 15% aos Municípios onde ocorrer a produção;

c) 7,5% aos Municípios, que sejam afetados pelas operações de embarque e desembarque de petróleo e gás natural, na forma e critérios estabelecidos pela ANP;

d) 25% ao Ministério da Ciência e Tecnologia com destinações específicas previstas em lei;

2.2- Quando a lavra ocorrer na plataforma continental:

a) 22,5% aos Estados produtores confrontantes;

b) 22,5% aos Municípios produtores confrontantes;

c) 15% ao Ministério da Marinha para atender aos encargos da fiscalização e proteção das áreas de produção;

d) 7,5% aos Municípios que sejam afetados pelas operações de embarque e desembarque de petróleo e gás natural, na forma e critérios estabelecidos pela ANP;

e) 7,5% para constituição de um Fundo Especial, a ser distribuído entre todos os Estados, territórios e Municípios;

f) 25% ao Ministério da Ciência e Tecnologia com destinação específica prevista em lei.

A descoberta do pré-sal e as disputas políticas em torno dosroyalties

Com a descoberta do pré-sal seguida de perspectivas de crescimento da produção de petróleo, a propiciar fantástico volume de recursos financeiros a título de compensação financeira, recrudesceram-se nos últimos tempos a disputa em torno da divisão desse rico filão.

O Congresso Nacional está discutindo um novo critério de rateio dos royalties do petróleo.

O Senado Federal aprovou, em 19-10-2011, o projeto legislativo que prejudica violentamente os Estados e Municípios produtores.

O projeto de lei em questão procurou repartir esses recursos financeiros entre Estados e Municípios, como se tratassem de produto de arrecadação de impostos (IPI e IR) que a União destina a todos os Estados e Municípios por meio de Fundos: FPE e FPM.

Para se definir o critério correto desse rateio entre Estados e Municípios é preciso definir antes a natureza jurídica dessa compensação financeira instituída pela Lei n° 7.990/89 como sucedâneo da participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos e de recursos minerais no respectivo território.

Como veremos ao final, a natureza jurídica dessa compensação financeira não é a mesma para as três entidades políticas.

Qualquer critério, que despreze o privilégio geral dos Estados e Municípios produtores ou confrontantes, e o privilégio qualificado dos Municípios diretamente afetados pelas operações de embarque e desembarque de petróleo e gás natural, será inconstitucional.

Da natureza dos royalties

É noção elementar de Direito Financeiro de que toda receita pública há de ser classificada segundo a Lei n° 4.320/64. No que tange à participação nos royalties pela União, por meio de seus órgãos, transparece de forma nítida a natureza de receita patrimonial, tendo em vista que todos os recursos naturais pertencem à União (art. 20 incisos III, IV, V, VI, VIII, IX da CF) .

Assim, nos termos do art. 11 e § 4° da Lei n° 4.320/64 os royalties,percebidos pelos órgãos da União classificam-se na categoria de receitas correntes de natureza patrimonial.

Por isso, não aceitamos a natureza tributária dos royaltiessustentada por parcela da doutrina. A compensação financeira não decorre da relação de poder como acontece com os tributos, mas da relação de propriedade, isto é, ela envolve contraprestação de bens pertencentes à União. Não há entre a União, proprietária dos bens, e os concessionários de recursos hídricos ou minerais uma relação de poder a legitimar a imposição tributária.

Qual a natureza jurídica dos royalties pagos aos Estados e Municípios que não são titulares de recursos naturais?

Do exame do texto do § 1º, do art. 20 da CF, bem como do critério adotado pela lei para distribuição desses royalties,conferindo privilégio geral aos Estados e Municípios produtores e privilégio qualificado em relação aos Municípios afetados pelas operações de embarque e desembarque de petróleo e gás natural, é possível vislumbrar a natureza indenizatória desses royalties.

Dessa forma, o ingresso de recursos financeiros aos cofres dos Estados e Municípios a título de compensação financeira, por exclusão, corresponde à categoria de receita corrente, classificando-se como "outras receitas correntes" (art. 11, § 4° da Lei n° 4.320/64) .

É preciso atentar que não pode existir receita pública sem classificação na Lei n° 4.320/64, sob pena de impossibilitar a fiscalização e o controle de execução orçamentária.

Muito embora a compensação financeira tenha sido instituída como sucedâneo da participação no resultado da exploração de recursos naturais não há como classificá-la como receita originária em relação aos Estados e Municípios que não são titulares dos recursos naturais explorados. Só em relação à União ou a seus órgãos é que os royaltiestêm natureza de receita originária classificada na categoria de receita corrente de natureza patrimonial como vimos.

Crédito:

Kiyoshi Harada
Jurista. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Professor. Especialista em Direito Financeiro e Tributário pela USP.

http://www.grupoescolar.com

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