sábado, 27 de agosto de 2011

Espião virtual é alvo de audiência pública no Senado

Matéria publicada em junho, que não foi divulgada nos jornais, mas que requer atenção, pois é mais uma invasão na nossa privacidade.



   Um espião em seu computador
A operadora Oi adotou um programa que rastreia tudo o que seus clientes de banda larga fazem na internet. Por que isso é uma ameaça para nós
Existe um programa de computador que registra tudo o que você faz na internet. Acionado, ele sabe que você entrou no Orkut, digitou o nome de uma ex-namorada no campo de busca, depois visitou o perfil dos amigos dela. Também viu que entrou num site de vendas e procurou uma nova torradeira. Anotou as opções que você comparou. Acompanhou sua visita ao site do banco para consultar o saldo. Seguiu seus passos no site de e-mail enquanto você abria cada mensagem. Viu que você entrou no Facebook. E quando você clicou num vídeo divertido que alguém recomendou. Esse programa anota quanto tempo você gastou em cada uma dessas atividades. E transmite toda essa informação a uma empresa que analisa seu comportamento e o classifica de acordo com algum rótulo. Soa amedrontador? Pois é real. Esse tipo de invasão de privacidade ameaça os internautas brasileiros.

A sequência acima, de rastreamento da navegação na internet, descreve o serviço oferecido pela empresa inglesa Phorm. Ela está chegando ao Brasil. Seu principal cliente aqui é o provedor de internet Velox, serviço oferecido no Rio de Janeiro pela operadora de telecomunicações Oi. A Oi está testando aqui uma versão do programa da Phorm chamada Navegador. É uma tecnologia que está longe de ser aceita no mundo. Desde 2002, quando foi criada pela Phorm, ela tem gerado controvérsia internacional e levantado preocupações em grupos ligados à defesa dos direitos civis na internet. Essas resistências dificultaram sua adoção nos Estados Unidos e na Europa. Há o temor de que as informações pessoais sejam usadas de forma indevida. É evidente que uma empresa telefônica não pode grampear suas linhas. Por que, afinal, seu provedor de internet teria direito de saber o que você faz na rede? Um programa espião ameaça nossa liberdade?

Sua chegada foi discreta no Brasil. A primeira rodada de testes com o Navegador foi anunciada em março pela Oi, dona do provedor de banda larga Velox e do portal iG. De acordo com a Oi, ele começou a ser oferecido a internautas do Rio de Janeiro. A intenção da Oi é expandir aos usuários de todo o Estado até o final de 2010. O Navegador é um rastreador remoto (não fica instalado na máquina do usuário) dos passos que um internauta dá na rede. No início dos testes, Oi e Phorm anunciaram uma parceria com os portais Terra, UOL e Estadão. Procurada por ÉPOCA, a assessoria do Grupo Estado afirmou que “a parceria nunca existiu e o nome da empresa foi usado à revelia”. A Oi confirmou a parceria com UOL e Terra.

O objetivo do Navegador é detectar as preferências de quem navega na rede. A promessa da Oi é oferecer ao usuário uma navegação personalizada. Quem é torcedor do Flamengo passaria a ter automaticamente na tela do computador mais informações sobre o time. “Uma página será apresentada aos clientes para que decidam se desejam ativar a ferramenta”, diz a Oi. “A escolha e decisão é do cliente.” Oi e Phorm também afirmam que a tecnologia do rastreador traça o perfil dos usuários sem identificá-los. Isso seria possível graças a um recurso técnico. Assim que um internauta se conecta à web, imediatamente o Navegador associa a ele um número aleatório. É esse número interno – e não um nome público ou um endereço fixo na internet (conhecido tecnicamente como IP) – que a Phorm usa no rastreamento. “Nenhum dado pessoal, histórico de navegação ou endereço IP é armazenado pela ferramenta”, informou a Oi. “O sistema não rastreia e-mails, salas de bate-papo e páginas seguras, como sites de banco.”

O programa da Phorm também permite que o provedor de acesso mostre, a cada usuário, anúncios específicos, de acordo com seus interesses pessoais. Sites que tenham acordo com o provedor poderiam vender anúncios prometendo veiculá-los a internautas cujo perfil fosse mais interessante ao anunciante. Tal sistema é apresentado como um modo de aumentar a receita de provedores e sites de conteúdo. Só que, além de invasivo, ele pode representar uma concentração de poder nas mãos de uma empresa cuja missão deveria ser prover acesso de forma indistinta – sem discriminar o conteúdo ou publicidade que trafega em sua rede. Numa comparação com outro setor, a situação seria equivalente a uma empresa de eletricidade receber dinheiro cada vez que você ligasse uma determinada marca de eletrodoméstico na tomada.

Tamanho poder nas mãos da Phorm e da Oi pode representar uma ameaça à concorrência no mercado de publicidade on-line. A Oi argumenta que, como o iG detém em torno de 5% desse mercado, essa ameaça inexiste. O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) deverá julgar nas próximas semanas a parceria entre Oi e Phorm. Até agora, a Secretaria de Direito Econômico (SDE) e a Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE) deram parecer favorável à Oi. O caso estava na pauta do dia 5 de maio, mas o Cade decidiu pedir mais informações à Oi. Um novo julgamento ainda não foi marcado.

Além das questões comerciais, o maior estigma em torno dos programas de rastreamento da Phorm é a ameaça à privacidade. O Brasil está recebendo um programa espião rejeitado em outros países. O histórico da Phorm é sombrio. Ela foi fundada em 2002, com o nome de 121Media. Especializou-se na criação de programas para publicidade on-line. Seu primeiro produto foi classificado como um spyware, nome técnico dos programas espiões que se instalam na máquina do usuário sem consentimento e enviam informações a terceiros. No início da década passada, esses programas eram tão populares quanto difíceis de apagar. A Phorm recebeu notificações de órgãos de segurança de países como Estados Unidos, Canadá e Inglaterra pedindo que interrompesse as vendas por ferir a segurança e a privacidade do internauta.

A Phorm então desenvolveu o Webwise, programa que diz tratar o internauta de forma anônima. Sites como Google, Amazon e Wikipédia bloquearam o Webwise em suas páginas por desconfiança. Personalidades como Tim Berners-Lee, criador da web, criticaram a falta de transparência (leia mais no quadro ao lado). O caso mais delicado envolveu a British Telecom (BT), operadora estatal de banda larga da Inglaterra, acusada de infringir as leis de privacidade da União Europeia por fazer, entre 2006 e 2007, testes do programa com 18 mil clientes – sem consultá-los. O mal-estar foi tamanho que a BT teve de abandonar o projeto em 2008. “A ferramenta da Oi tem uma proposta de valor e modelo de implementação totalmente diferente do Reino Unido”, informou a Oi.

A Phorm não é a única empresa que rastreia hábitos do internauta para alocar publicidade. Grandes sites, como o Google, tentam adivinhar o gosto do usuário a partir do que ele busca ou digita. O Facebook também enfrenta questionamentos sobre sua política de privacidade. Vários internautas têm abandonado o Facebook por causa disso. Mas o rastreamento da Phorm dá um passo além. Por dois motivos. Primeiro, os outros sites avaliam seu perfil, mas sua vida digital não fica toda guardada neles. Quando a Phorm espiona, ela rastreia tudo o que você faz. Segundo motivo, as empresas de busca e redes sociais precisam do retorno publicitário para manter seus serviços gratuitos. Os provedores que usam o programa da Phorm já são pagos por você – e pelo acesso, não por conteúdo.

O grupo AntiPhorm, uma ONG de defesa de direitos civis na internet, lançou programas para bloquear o rastreador. Um deles, o Dephormation, funciona simulando atividade na internet de seu computador. Com isso, os dados que a Phorm rastreia ficam poluídos com informação falsa e perdem valor. O navegador Firefox oferece uma ferramenta chamada Firephorm, que impede a Phorm de anotar os sites que você visita. As próprias empresas que anunciam podem se recusar a adotar o sistema da Phorm por julgar importante manter a privacidade de seus clientes e por desconfiar que esses dados possam ser usados por concorrentes. “Alguns podem avaliar que explorá-los configura espionagem industrial”, diz Jim Killock, da Open Rights Group. Isso explica, em parte, a reação negativa da Amazon.

O Brasil pode criar barreiras contra esse tipo de insegurança digital com o novo marco regulatório da internet, lei que esteve em consulta pública nos últimos meses e deverá seguir para o Congresso no final do semestre. Até agora, o texto não aborda especificamente programas de rastreamento, como o Webwise ou o Navegador, da Phorm. Mas dá uma indicação de que isso pode ser considerado ilegal. Num dos parágrafos, afirma que o provedor “fica impedido de monitorar, filtrar, analisar ou fiscalizar os conteúdos dos pacotes de dados, salvo para administração técnica de tráfego”. Se essa norma for aperfeiçoada, os brasileiros podem ficar mais protegidos contra as tentativas de espionagem de sua vida privada.


As consequências....


30/06/2010 - 13:42 - Atualizado em 01/07/2010 - 18:22

Espião virtual é alvo de audiência pública no Senado

Reportagem publicada por ÉPOCA em junho motivou discussão sobre serviço oferecido pela empresa inglesa Phorm

O risco de provedores de internet invadir a privacidade dos usuários foi tema de audiência pública realizada pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado nesta terça-feira (29). A audiência, feita sob a presidência do senador Eduardo Suplicy (PT-SP), foi motivada por
reportagem publicada no início de junho por ÉPOCA (texto acima).

O serviço oferecido pela empresa inglesa Phorm chegou ao Brasil em março pelo provedor de internet Velox, da operadora de telecomunicações Oi, e foi oferecido para os consumidores do Rio de Janeiro. A Oi afirma que o sistema não registra tudo o que o internauta faz na rede. "Durante a navegação, nenhum dado pessoal, histórico e endereço de IP é armazenado. Ou seja: ninguém pode saber quem o cliente é, onde está e nem onde esteve", diz a empresa. Segundo a Oi, a privacidade do internauta é garantida por uma tecnologia que gera chave randômica de 24 dígitos, não rastreável. "É praticamente impossível de ser quebrada." A Oi informa que o sistema trabalhará apenas com páginas públicas de rede, deixando de fora emails e páginas com dispositivo de segurança e senha de acesso, como bancos. Temas sensíveis como conteúdo adulto, laudos médicos, jogos de azar, álcool e drogas, também são excluídos pelo sistema, afirma a Oi. Segundo a empresa, o objetivo do Navegador é detectar as preferências de quem navega na rede, oferecendo ao usuário um serviço personalizado. O diretor de desenvolvimento de tecnologia e estratégia da Oi, Pedro Ripper, estava presente na audiência pública representando a empresa.

Os senadores discutiram se o uso do programa de rastreamento na internet configura-se realmente como um desrespeito à Constituição e avaliaram a necessidade de alteração da Carta e da legislação que trata da inviolabilidade da intimidade e da comunicação entre as pessoas. A iniciativa do debate foi dos senadores Eduardo Suplicy, Arthur Virgílio (PSDB-AM) e José Agripino (DEM-RN).

Caio Túlio Costa, consultor da Phorm, disse que a tecnologia da empresa inglesa não armazena dados que possibilitam a identificação do usuário, apenas atribui um número ao internauta, que é identificado pela sua preferência de navegação. Costa afirmou que o usuário precisa consentir em participar do programa, ativando uma ferramenta específica de “aceite” na página.

O diretor de Projetos Globais e Inovações do Portal Terra, Thiago Ramazzini, disse que, na parceria firmada com a Phorm, sua empresa não entregou qualquer tipo de dado interno e confidencial de seus clientes. A representante do Portal UOL, Carol Elizabeth Conway, explicou que a empresa apenas recebe a publicidade da Phorm. Ela acredita que não há necessidade de alterar a legislação brasileira para garantir mais proteção ao consumidor. “A Constituição já prevê o respeito à privacidade dos usuários", disse.

Na audiência, Laura Schertel Mendes, coordenadora geral de Supervisão e Controle do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC) do Ministério da Justiça, anunciou que o órgão abriu processo administrativo contra a Oi para investigar os limites de monitoramento da nova ferramenta sobre a navegação na internet. Segundo ela, a medida foi tomada porque a empresa não havia prestado esclarecimentos ao órgão depois que foi notificada sobre o assunto. “Se o indivíduo não puder sequer controlar suas próprias informações, trata-se de um tema de democracia, em última instância”, disse.

Para Danilo Doneda, consultor da Unesco e especialista em proteção de dados, deveria ser criada uma lei específica de proteção de dados pessoais no Brasil. Assim, o país não correria o risco de se tornar “um país digital de segunda categoria”. José Augusto Perez, vice-presidente da Associação Nacional do Ministério Público do Consumidor, diz acreditar que o Brasil está “diante de uma nova tecnologia revolucionária para o mercado e para seus patrocinadores e usuários ou diante de mais um crime de colarinho branco sob o manto da tecnologia”. No fim do encontro, o senador Eduardo Suplicy considerou que a audiência foi uma oportunidade para esclarecer pontos duvidosos sobre a nova ferramenta da Phorm.

http://revistaepoca.globo.com/

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