sábado, 19 de maio de 2012

Tempo de espera em fila de banco e direito a indenização


O artigo analisa o direito de indenização em decorrência do tempo de espera em filas de banco, ressaltando que o magistrado deve analisar se o tempo de espera ultrapassou os limites do razoável, se não havia outros meios menos onerosos postos à disposição do consumidor para concluir a transação, ou a ocorrência de situações excepcionais.


O tempo e sua contagem sempre despertaram o interesse do ser humano.
Sociedades muito antigas desenvolveram diversos tipos de calendário e de instrumentos de marcação do tempo na tentativa de aferir, com precisão, essa grandeza.

Por sua vez, segundo a chamada lei da oferta e da procura, regra básica da economia, o valor ou preço de algo está relacionado de forma inversamente proporcional à sua disponibilidade no mercado e diretamente à sua demanda.
Não é de hoje que o tempo, ou sua disponibilidade, se transformou em ativo escasso na vida de qualquer indivíduo, motivo pelo qual nunca foi tão atual a frase: “tempo é dinheiro”.

O Direito não ficou indiferente e inerte a tal situação, tanto que a razoável duração do processo foi expressamente positivada como garantia constitucional por meio da EC n. 45/2004.

O valor econômico que se dá ao tempo foi essencial para o investimento em tecnologias relacionadas à telecomunicação e à prática de atos que não demandam o deslocamento do interessado.

Ainda na seara jurídica, a presença física em vários atos forenses foi relativizada pelo processo eletrônico e pela teleconferência. Talvez, num futuro próximo, seja difícil explicar a um jovem aplicador do Direito sobre a antiga necessidade de comparecimento do advogado ao fórum para protocolizar uma petição.

A tecnologia também modificou a forma de relacionamento das instituições financeiras com seus clientes. Ainda que a grande maioria das operações bancárias possa ser realizada por telefone, internet ou terminais de autoatendimento, algumas demandam o comparecimento às agências bancárias.

Sendo outro postulado da Economia aquele segundo o qual as demandas são ilimitadas, mas são finitos os recursos aptos a supri-las, não é raro que haja poucos empregados da instituição financeira disponíveis para o atendimento de clientes no interior das agências. Por consequência, torna-se necessário esperar o atendimento em fila.

A situação do tempo de espera nessas filas, de tão relevante, já ensejou atitudes do Poder Legislativo e multiplica os processos que chegam ao Judiciário.

Visando abordar a questão sobre o prisma jurídico, o presente artigo analisará os principais aspectos acerca da possibilidade de responsabilizar civilmente as instituições bancárias em decorrência do tempo de espera em filas.

Responsabilidade civil extracontratual

Em sua obra, Teoria Geral do Dano, o civilista Sílvio Neves Baptista define responsabilidade civil como a relação obrigacional decorrente do fato jurídico dano, na qual o sujeito do direito ao ressarcimento é o prejudicado e o sujeito do dever o agente causador ou o terceiro a quem a norma imputa a obrigação.

A partir dessa definição, pode-se inferir que os pressupostos para a existência do dever de indenizar são os seguintes: a) um fato jurídico antecedente; b) dano, ou fato jurídico danoso; c) o nexo de causalidade entre o fato antecedente e o dano; d) a imputação da responsabilidade ao sujeito causador ou a terceiro.

Sobre o fato jurídico antecedente, este pode ser um comportamento omissivo ou comissivo, lícito ou ilícito, desde que gere o evento danoso. Com efeito, ainda que a conduta praticada seja ilícita, não haverá dever de indenizar se inexistir o dano.

Ainda sobre esse pressuposto, é relevante distinguir a responsabilidade civil subjetiva da objetiva.

Tal diferenciação leva em conta a necessidade de se demonstrar a ocorrência de culpa, ou seja, a transgressão a dever jurídico, no fato jurídico antecedente. Na responsabilidade subjetiva, diferentemente da objetiva, é necessária a demonstração de culpa.

Quanto ao dano, conquanto não haja dever de indenizar sem a sua ocorrência, há situações em que, excepcionalmente, o fato, conquanto lesivo, não gera responsabilização. Com efeito, a verificação de culpa exclusiva da vítima, legítima defesa, caso fortuito ou força maior pode ter o condão de afastar a responsabilização.

Isso porque não haverá responsabilidade civil se o prejuízo decorrer de fato que não pode ser atribuído como causa do dano, ou seja, se não houver nexo de causalidade entre o fato jurídico antecedente e o dano.

Por fim, a imputabilidade é a atribuição de poder ou dever a alguém para responder por determinado fato jurídico[. Em geral, refere-se a quem deu causa ao dano, havendo, entretanto, casos em que a lei atribui à terceira pessoa a responsabilidade pela indenização, como se verifica nas hipóteses previstas no art. 932 do Código Civil.

Das espécies de dano

Conforme já explanado, o dano é elemento central da responsabilidade civil. Sem a ocorrência daquele, não há o que se indenizar, mesmo que se esteja diante de conduta ilícita.

Quanto à natureza do bem violado, o dano se classifica em patrimonial (quando afeta de forma negativa o conjunto de relações jurídicas economicamente apreciáveis de outro sujeito de direitos) ou extrapatrimonial (quando atinge bens da personalidade).

Os danos patrimoniais, também chamados materiais, possuem uma subclassificação de acordo com a sua extensão. No caso de não afetarem a atividade do ofendido ou a sua possibilidade de ganho, o dano é classificado como emergente ou positivo. Por outro lado, se houver lesão ao potencial de rendimento futuro, o dano será cessante ou negativo.

Os danos morais, todavia, se caracterizam pela ocorrência de vexame ou constrangimento perante terceiros; de intenso abalo psicológico capaz de causar aflições ou angústias extremas ao lesado.

Em regra, para que seja deferido o direito à indenização pleiteada, o lesado tem que comprovar o prejuízo patrimonial ou extrapatrimonial sofrido. Ocorre que, em algumas situações, não se faz necessário se investigar a efetiva lesão ao direito de personalidade, uma vez que esta resta clara pela simples apresentação do fato jurídico precedente.

Nesses casos, o dano moral é presumido (in re ipsa), não sendo, portanto, necessário comprovar a existência do dano. Nesse sentido, é a jurisprudência Superior Tribunal de Justiça acerca da inscrição indevida em cadastro de inadimplentes:
AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INSCRIÇÃO DO NOME DO DEVEDOR EM ÓRGÃO DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE.SÚMULA 7/STJ. QUANTUM INDENIZATÓRIO. TESE NÃO LEVANTADA NAS RAZÕES DO RECURSO ESPECIAL. INOVAÇÃO OBSTADA EM SEDE DE AGRAVO REGIMENTAL. PRECLUSÃO CONSUMATIVA.
1.- Esta Corte já firmou entendimento que nos casos de inscrição irregular em cadastros de inadimplentes, o dano moral se configura in re ipsa.
(…)
(AgRg no AREsp 112.213/SP, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/03/2012, DJe 03/04/2012)

Tempo de espera na fila e a ocorrência de dano.

Não pairam dúvidas acerca da incidência das normas de defesa do consumidor às relações jurídicas formadas pelas instituições financeiras e seus clientes.

Assim, os bancos devem respeitar todos os direitos do consumidor, fornecendo produtos e serviços de forma eficiente e segura. A eficiência na prestação dos serviços, todavia, não envolve apenas o que é fornecido, mas como se dá esse fornecimento.

Conforme exposto no tópico introdutório, o tempo é ativo escasso atualmente, sendo assim, num mercado de livre concorrência, as empresas que fornecem o serviço com maior comodidade aos usuários tendem a manter e aumentar sua clientela. Por consequência, as instituições financeiras precisaram desconcentrar a prestação de seus serviços, seja por meio de terminais de autoatendimento ou pela possibilidade de utilização da internet e de telefones para a realização de transações bancárias com maior agilidade e comodidade.

Todavia, tais avanços não foram suficientes para suprimir a necessidade de comparecimento do consumidor à agência bancária para a realização de algumas transações.

Ocorre que a crescente demanda de clientes normalmente não é acompanhada de forma imediata pelo incremento da estrutura física e de pessoal para atendê-la. Tal situação se mostrou tão relevante que não foram poucos os Estados e Municípios que, fazendo uso da competência legislativa prevista, respectivamente, no art. 24, VIII, e no art. 30, I, da Constituição Federal[10], passaram a normatizar o tempo máximo de espera em filas de instituições bancárias.

Ressalte-se que o Colendo Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral, já reconheceu a competência dos Municípios para a expedição de normas sobre essa matéria. Veja-se:
DEFINIÇÃO DO TEMPO MÁXIMO DE ESPERA DE CLIENTES EM FILAS DE INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS. COMPETÊNCIA DO MUNICÍPIO PARA LEGISLAR. ASSUNTO DE INTERESSE LOCAL. RATIFICAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA FIRMADA POR ESTA SUPREMA CORTE. EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL. (RE 610221 RG, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, julgado em 29/04/2010, DJe-154 DIVULG 19-08-2010 PUBLIC 20-08-2010 EMENT VOL-02411-05 PP-01137 )
A edição dessas normas, impondo aos bancos uma obrigação de fazer, consistente na prestação de serviços de forma célere e adequada, fez com que alguns consumidores entendessem que o simples descumprimento do prazo legal ensejaria o direito a uma indenização.

No entanto, em tópicos anteriores, ressaltou-se que a ocorrência de dano, seja ele patrimonial ou extrapatrimonial, é imprescindível para que haja o reconhecimento da responsabilidade civil e, por consequência, do dever de indenizar.

Dessa maneira, não é a simples conduta ilícita do banco, de não respeitar o limite de tempo estabelecido para o atendimento, que importará o reconhecimento de sua responsabilidade civil para com o consumidor. Para tanto, deverá, haver comprovação da ocorrência de dano patrimonial ou extrapatrimonial suportado pelo indivíduo que esperou na fila.

O ilícito poderá importar a aplicação de penalidades administrativas, previstas nas leis que regulam o tempo máximo de espera na fila, mas apenas a ocorrência do dano viabiliza o reconhecimento do direito do consumidor à indenização.

Assim, em caso de lesão patrimonial, o banco poderá ser condenado a ressarcir os danos emergentes ou os lucros cessantes do consumidor, caso presentes os demais pressupostos para caracterizar sua responsabilidade civil.

Para tanto, o magistrado deverá levar em consideração se o tempo de espera ultrapassou os limites do razoável, se não havia outros meios menos onerosos postos à disposição do consumidor para concluir a transação, ou a ocorrência de situações excepcionais.

Nesse ponto, é relevante ressaltar que o tempo máximo de espera previsto em lei é parâmetro seguro para balizar o planejamento do consumidor e se este arcou com prejuízos decorrentes do tempo de espera na fila, tem direito à indenização.

Para exemplificar, imagine-se o caso de consumidor que aproveita o horário do almoço para efetuar transação bancária que só pode ser realizada no interior da agência, como o saque de uma vultosa quantia em dinheiro, em local cuja lei municipal estabelece em trinta minutos o tempo máximo de espera por atendimento. Se o tempo de espera ultrapassa tal interstício e, em razão disso, comprovadamente o consumidor deixa de concluir um negócio, pode o banco ser condenado a indenizá-lo pelas perdas sofridas.

Em relação ao dano moral, o jurista Yussef Said Cahali  afirma que este decorre do sofrimento, da dor, das perturbações emocionais e psíquicas, do constrangimento, da angústia, do desconforto espiritual por bem ou serviço defeituoso ou inadequado fornecido.

É sabido que os simples aborrecimentos, contrariedades e frustrações da vida cotidiana não ensejam o reconhecimento de dano moral. Ainda que aguardar atendimento em filas não seja situação agradável, tal dissabor é comum na vida em sociedade e não é exclusividade do serviço prestado pelos bancos, situação essa que deve ser ponderada antes de se concluir pela ocorrência do dano extrapatrimonial.

Sobre o assunto, já se posicionou o Colendo Superior Tribunal de Justiça. Veja-se:
AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. POUCO TEMPO DE ESPERA EM FILA DE BANCO. MERO DISSABOR. DANO MORAL. NÃO CARACTERIZADO.
1. O pouco tempo de espera em fila de banco não tem o condão de expor a pessoa a vexame ou constrangimento perante terceiros, não havendo que se falar em intenso abalo psicológico capaz de causar aflições ou angústias extremas.
2. Situação de mero aborrecimento ou dissabor não suscetível de indenização por danos morais.
3. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no Ag 1422960/SC, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 27/03/2012, DJe 09/04/2012)
Entender que o fato de aguardar pelo atendimento em filas não seja uma excepcionalidade, entretanto, não importa afirmar ser improvável o reconhecimento de dano moral. Isso, porque se o estabelecimento bancário não proporciona condições adequadas de conforto para a espera, a exemplo de ventilação, limpeza, segurança, oferecimento de água, existência de cadeiras e sanitários, não há dúvidas de que a demora no atendimento pode ensejar a responsabilização.

Também aqui deve ser ponderado se o serviço buscado não poderia ser obtido por meio de um meio mais acessível ao consumidor, como o telefone, a internet ou os terminais de autoatendimento.
Tal ressalva se dá em respeito ao princípio da boa-fé objetiva, que possui por consectário o dever de mitigar as perdas (duty to mitigate the loss), segundo o qual o suposto lesado não pode agir de modo a criar ou incrementar para si situação de prejuízo. Desse modo, se, injustificadamente, o consumidor escolheu a forma mais onerosa para seu atendimento, não poderá se beneficiar dessa escolha.

Conclusão

Conquanto normalmente caracterize mero dissabor cotidiano esperar em filas pelo atendimento em instituições bancárias, não são poucos os Estados e Municípios que, em face do interesse local, editaram leis para coibir os excessos que prejudicavam os consumidores.
Todavia, ainda que a violação dessas leis enseje a aplicação de sanções por parte do ente municipal, não acarreta de forma automática o reconhecimento do dever de indenizar o consumidor. Tal ocorre porque a existência do dano é imprescindível para o reconhecimento da responsabilidade civil extracontratual.
Assim, apenas comprovado o dano patrimonial ou extrapatrimonial e os demais pressupostos (fato jurídico antecedente, nexo de causalidade e imputabilidade) acordo com as regras processuais aplicáveis à espécie, poderá ser imposto o dever de indenizar à instituição bancária.

Crédito:
Marcos Antonio Maciel Saraiva
Juiz Federal Substituto, pós-graduado em Direito Processual
www.jusnavegandi.com.br

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