A convenção sobre a eliminação de
todas as formas de preconceito conta a mulher foi criada pela resolução número
34/180 da Reunião da Assembleia Geral da ONU, de 18 de setembro de 1979, cuja
entrada em vigor ocorreu em 03 de setembro de 1981, que fundamenta e ideia de
igualdade e não-discriminação intrínseca de todos os serem humanos no que tange
a desigualdade e direitos, especialmente de diferença de sexo. Todavia, seu
texto é contundente ao afirmar que os avanços conquistados ainda são
insuficientes para eliminar o preconceito contra a mulher.
A discriminação é uma violação
acima de tudo à dignidade humana, e dificulta a participação da mulher no
mercado de trabalho em especial na vida em suas vertentes políticas e sociais
onde o atraso proporcionado pela discriminação foi e é suficiente para comprometer
o bem-estar da sociedade de maneira geral.
O artigo 1º da resolução define a
discriminação contra a mulher como a adoção de medidas tendentes a distinguir,
excluir ou restringir direitos de alguém utilizando tão-somente o critério
sexual, para tanto, os estados-membros se comprometeram a listar em suas
constituições internas as seguintes garantias destacada abaixo:
1. Igualdade entre homens e
mulheres;
2. A tipificação da conduta de
discriminação para torná-la ilícita e passível de atuação estatal contra tais
práticas;
3. A inadmissibilidade da
institucionalização de práticas discriminatórias;
4. Os meios necessários à
implementação da cultura de igualdade ou de modificação das já existentes;
5. Previsão da cooperação mútua
entre homens e mulheres na criação e sustento de seus filhos; e
6. Direitos sociais e trabalhistas
equivalentes.
A sedução a mulheres e raparigas
para sua entrega em país estrangeiro com fins imorais tem sido combatida internacionalmente,
desde cerca de meio século. Primeiro por iniciativas privadas, depois por ação
oficial.
Os atos
coletivos internacionais existentes nessa matéria são os seguintes:
1. Acordo para Repressão do Tráfico
de Mulheres Brancas, assinado em Paris a 18 de maio de 1904;
2. Convenção Internacional
Relativa à Repressão do Tráfico de Mulheres Brancas, assinada em Paris a 04 de
maio de 1910;
3. Convenção Internacional para
Repressão do Trafico de Mulheres e Crianças. Assinada em Genebra, sob os auspícios
da liga das Nações a 30 de setembro de 1921;
4. Convenção Internacional
Relativa à Repressão ao Tráfico de Mulheres Maiores, assinada em Genebra,
igualmente sob os auspícios da liga das Nações a 11 de setembro de 1933;
5. Protocolo de Emenda às Convenções
de 1921 a 1923, assinado em Lake Seccess (Nova Iorque) a 12 de novembro de
1947;
6. Convenção para Representação
do Tráfico de Pessoas e do Lenocínio, assinado em Lake Succes, a 20 de março de
1951.
Além disso, em conferência
realizada na ilha de Java, igualmente sob os auspícios da Liga das Nações, em
fevereiro de 1937, foram adotadas diversas resoluções ou recomendações
relativamente a certos tratamentos desse mesmo problema, no Extremo Oriente o
direito da mulher à vida, ou à sobrevivência deveria assegura-lhe o acesso aos
serviços de saúde entretanto a restrição é tão grande que deve ser considerada
violação ao direito internacional dos direitos humanos. Consoante Rebecca Cook, a aplicação
tradicional do direito à vida é male-oriented - orientada ao gênero masculino -
já que os homens assimilam a violação ao direito à vida à pena de morte mais
facilmente do que à morte por gravidez, ignorando a realidade histórica das
mulheres.
Esta reinterpretação dos direitos
alargou o grau de responsabilidade do Estado e, mais recentemente, aumentou o
poder dos Comitês que monitoram as ações/omissões daqueles relacionadas aos
direitos das mulheres. Ainda assim, as mulheres, e os homossexuais, não têm a
mesma aceitação como parte do sistema e como sujeitos plenos de direitos
humanos, faltando-lhes frequentemente a proteção do direito.
A falta de proteção do direito às
questões específicas das mulheres (e, ainda mais, dos homossexuais) somou-se a
primazia da regulação e aplicação do direito na esfera pública. Karen Engle, ao
tratar da distinção entre o público e o privado, critica o direito
internacional público apresentando duas posições: uma que entende que ele é
falho porque ao excluir o privado – a esfera doméstica, onde a mulher está mais
presente – deixa de ser realmente universal; e outra que entende que ele usa a
divisão entre público e privado de forma conveniente para evitar questões
relativas às mulheres. De acordo com os defensores da primeira tese, o direito
internacional público deve ser reconceitualizado para incluir as mulheres e o
espaço privado. Já para os outros, os instrumento doutrinários necessários
para acomodação das mulheres no direito internacional já existem nos direitos
humanos, o que significa que sua aplicação é feita de forma inconsistente – bom
exemplo é a possível intervenção para abolir formas ‘privadas’ de violência,
como o canibalismo ou a escravidão.
A análise de Engle, acima
exposta, indica claramente que não era do interesse do Estado regulamentar o
que ocorria no âmbito doméstico, sendo-lhe conveniente manter-se alheio ao que
lá se passava. Daí porque os direitos reprodutivos ficaram por tanto tempo sem
regulamentação estatal. Já a regulação da sexualidade mantém-se até o presente
na interface entre o público e o privado. Se por um lado, o exercício dos
direitos sexuais está no âmbito da privacidade e da liberdade sexual relativa à
forma como se obtém prazer; por outro, é preciso a proteção estatal para que
essa liberdade possa ser exercida plenamente, sem discriminação, coerção ou
violência. O equilíbrio da regulação e desregulação estatal – ou seja, entre
liberdade e proteção - é como dizem Sonia Corrêa e Maria Betânia Ávila;
“Ao romper as barreiras da esfera
privada, em que, com frequência, ocorrem os abusos em relação à sexualidade (e
à reprodução), pode-se dar espaço para uma exagerada intervenção estatal
implicando restrição à liberdade do indivíduo.”
Ao buscar este equilíbrio,
corre-se o risco de se estar a fazer um convite para o abuso da
discricionariedade estatal, resta evidente, pois, que a primazia da regulação e
aplicação do direito na esfera pública contribui para que mulheres e minorias
sexuais não tenham a proteção necessária do direito para exercer suas
cidadanias no âmbito doméstico. A democracia, como nos ensina Pitanguy, não se
refere apenas ao exercício da cidadania na esfera pública, mas também às
relações na vida cotidiana, no trabalho, na família, na saúde, na educação.
Em vista disso, como o movimento
feminista conseguiu trazer a demanda por direitos reprodutivos e sexuais para a
esfera do direito? A formulação dos direitos
reprodutivos, e sua consequente positivação, deram-se a partir de sua aliança
com o direito à saúde. Como um direito humano, a saúde apareceu pela primeira
vez na DUDH, de 1948, tendo sido mais bem definido posteriormente em inúmeros
documentos internacionais de proteção aos direitos humanos. É o caso do artigo
12 do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de
1966, que o formula como “o direito de toda pessoa de desfrutar o mais elevado
nível de saúde física e mental”, exemplificando medidas que devem ser adotadas
para assegurar seu pleno exercício.
A CEDAW, de 1979, no seu artigo
12, também prevê o direito à saúde como um direito das mulheres, ressaltando a
importância de “assegurar-lhes, com base na igualdade dos homens e das
mulheres, o acesso aos serviços médicos, incluindo os relativos ao planejamento
familiar”. O 2º parágrafo do artigo estabelece como obrigação dos
Estados-Partes fornecer às mulheres serviços apropriados gratuitos durante a
gravidez, parto e pós-parto. Esses são exemplos da evolução do conceito de
direito à saúde na arena internacional.
Assim respaldado nestes
dispositivos, o movimento feminista começou a lutar na década de 70 pelos direitos
reprodutivos, reivindicando a descriminalização do aborto. O aborto, enquanto
um obstáculo ao exercício da liberdade humana da mulher, é um problema de saúde
pública. Isso porque muitos são realizados de forma insegura, com riscos à
saúde das mulheres, senão sua morte. De acordo com Rebecca Cook, “a OMS estimou
que a cada ano morrem 500.000 mulheres de causas relacionadas à gravidez, sendo
que o aborto inseguro gera entre 25 e 50% dessas mortes”. Sob a ótica da saúde,
estas são evidentemente mortes evitáveis, e para demonstrar a negligência
estatal em relação às mulheres o movimento feminista usou dados estatísticos,
que ajudaram a trazer para o debate público a necessidade de positivação dos
direitos reprodutivos e o dever positivo dos Estados de prestar assistência à
saúde integral da mulher - o que requer a formulação e execução de políticas
públicas. Contudo, à época, a mesma ligação entre saúde e direitos sexuais não
foi possível. Associados à liberdade
sexual, à privacidade e ao direito de não sofrer discriminação, coerção ou
violência, o Estado deixou de regulamentar os direitos sexuais para
salvaguardar a vida privada do indivíduo, principalmente de sua interferência,
reitere-se que a sexualidade esteve ausente do discurso internacional sobre os
direitos humanos até 1993. Não só o
discurso sobre os direitos humanos, aceita a vida sexual apenas de modo
implícito e, mesmo assim, restrita à reprodução e, portanto, ao casamento
heterossexual. Basta pensar que nem mesmo a CEDAW menciona a liberdade sexual
ou os direitos das lésbicas. Como nos ensinam Wilza Villela e Margareth Arilha;
“Não faz sentido isolar a categoria “lésbica” da discussão política
sobre opressão sexual que sofrem todas as mulheres, independente de sua
orientação sexual.”
Mas, como a história bem
demonstrou, existem “dimensões da autonomia privada da pessoa humana tão
relevante para a sua dignidade, que se torna necessário protegê-las até mesmo
do legislador, encarnação da vontade das maiorias”. Os direitos sexuais, embora
principalmente de caráter negativo - de abstenção estatal - exigem uma
prestação positiva do Estado, qual seja garantir seu exercício.
Esta constatação, entretanto, não
foi suficiente para haver a regulamentação dos direitos sexuais. Foi somente
com a eclosão da epidemia da AIDS, nos anos 80, que por uma questão de saúde, a
sexualidade foi incorporada ao debate público internacional. Esta associação
foi, novamente, determinante para as conquistas de direitos, neste caso dos
gays e lésbicas.
Em países em desenvolvimento a
vinculação com o direito à saúde ainda é muito importante. É por meio de um
serviço público de saúde eficiente que mulheres, gays e lésbicas “conseguem”
exercer plenamente sua cidadania, desde que protegidas sua liberdade e
autonomia, restando que a vinculação com o direito à saúde viabilizou a
formulação e positivação dos direitos reprodutivos e, posteriormente, ainda que
de forma preliminar, a dos direitos sexuais.
As Declarações e os Programas e
Plataformas de Ação de Conferências Internacionais, quaisquer que sejam - entre
outros, de População e Desenvolvimento ou da Mulher - são considerados soft
law, ou seja, não têm caráter vinculante como os tratados e convenções de
direitos humanos. São, de fato, compromissos morais dos Estados signatários,
que não implicam uma tradução automática para as legislações domésticas. Estes compromissos resultam em pressão externa
para que se cumpra o acordo e, eventualmente, um constrangimento político para
o Estado no caso de descumprimento. Supõe-se, assim, embora sem garantias,
estar-se a incentivar a efetivação dentro das fronteiras nacionais do que foi
objeto de consenso internacional. Não obstante, como esse
incentivo por intermédio de mecanismos de soft law muitas vezes não é
suficiente, a comunidade acadêmica tem procurado identificar direitos presentes
em tratados de direitos humanos relacionados aos direitos sexuais e
reprodutivos que possam lhes dar maior consistência normativa. Por serem, estes
sim, juridicamente vinculantes, geram a obrigação legal para os Estados de
efetivar os direitos sexuais e reprodutivos - mesmo que por meio de uma
argumentação jurídica indireta.
PEREIRA,
Bruno
Yepes, Curso de Direitos Internacional Público. Saraiva –
3ª edição – 2ª tiragem – 2009
ACCIOLY, Hidelbrando_
SILVA, Geraldo Eulálio do Nascimento e Silva. Manual de Direito
Internacional Público. Saraiva – 12ª edição – 1996
REVISTA
VEJA – Ed. 2216, Ano 44 – nº 19, p. 98
REVISTA
VEJA – Ed. 2215, Ano 44 – nº 18, p. 62
REVISTA
VEJA – Edição Extra nº 2189, Ano 43 – ESPECIAL, pp. 70-75
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