sexta-feira, 6 de abril de 2012

A busca pela igualdade de gêneros na visão internacional



A convenção sobre a eliminação de todas as formas de preconceito conta a mulher foi criada pela resolução número 34/180 da Reunião da Assembleia Geral da ONU, de 18 de setembro de 1979, cuja entrada em vigor ocorreu em 03 de setembro de 1981, que fundamenta e ideia de igualdade e não-discriminação intrínseca de todos os serem humanos no que tange a desigualdade e direitos, especialmente de diferença de sexo. Todavia, seu texto é contundente ao afirmar que os avanços conquistados ainda são insuficientes para eliminar o preconceito contra a mulher.


A discriminação é uma violação acima de tudo à dignidade humana, e dificulta a participação da mulher no mercado de trabalho em especial na vida em suas vertentes políticas e sociais onde o atraso proporcionado pela discriminação foi e é suficiente para comprometer o bem-estar da sociedade de maneira geral.
O artigo 1º da resolução define a discriminação contra a mulher como a adoção de medidas tendentes a distinguir, excluir ou restringir direitos de alguém utilizando tão-somente o critério sexual, para tanto, os estados-membros se comprometeram a listar em suas constituições internas as seguintes garantias destacada abaixo:
1. Igualdade entre homens e mulheres;
2. A tipificação da conduta de discriminação para torná-la ilícita e passível de atuação estatal contra tais práticas;
3. A inadmissibilidade da institucionalização de práticas discriminatórias;
4. Os meios necessários à implementação da cultura de igualdade ou de modificação das já existentes;
5. Previsão da cooperação mútua entre homens e mulheres na criação e sustento de seus filhos; e
6. Direitos sociais e trabalhistas equivalentes.
 
A sedução a mulheres e raparigas para sua entrega em país estrangeiro com fins imorais tem sido combatida internacionalmente, desde cerca de meio século. Primeiro por iniciativas privadas, depois por ação oficial.
Os atos coletivos internacionais existentes nessa matéria são os seguintes:
1. Acordo para Repressão do Tráfico de Mulheres Brancas, assinado em Paris a 18 de maio de 1904;
2. Convenção Internacional Relativa à Repressão do Tráfico de Mulheres Brancas, assinada em Paris a 04 de maio de 1910;
3. Convenção Internacional para Repressão do Trafico de Mulheres e Crianças. Assinada em Genebra, sob os auspícios da liga das Nações a 30 de setembro de 1921;
4. Convenção Internacional Relativa à Repressão ao Tráfico de Mulheres Maiores, assinada em Genebra, igualmente sob os auspícios da liga das Nações a 11 de setembro de 1933;
5. Protocolo de Emenda às Convenções de 1921 a 1923, assinado em Lake Seccess (Nova Iorque) a 12 de novembro de 1947;
6. Convenção para Representação do Tráfico de Pessoas e do Lenocínio, assinado em Lake Succes, a 20 de março de 1951.
Além disso, em conferência realizada na ilha de Java, igualmente sob os auspícios da Liga das Nações, em fevereiro de 1937, foram adotadas diversas resoluções ou recomendações relativamente a certos tratamentos desse mesmo problema, no Extremo Oriente o direito da mulher à vida, ou à sobrevivência deveria assegura-lhe o acesso aos serviços de saúde entretanto a restrição é tão grande que deve ser considerada violação ao direito internacional dos direitos humanos.  Consoante Rebecca Cook, a aplicação tradicional do direito à vida é male-oriented - orientada ao gênero masculino - já que os homens assimilam a violação ao direito à vida à pena de morte mais facilmente do que à morte por gravidez, ignorando a realidade histórica das mulheres.
Esta reinterpretação dos direitos alargou o grau de responsabilidade do Estado e, mais recentemente, aumentou o poder dos Comitês que monitoram as ações/omissões daqueles relacionadas aos direitos das mulheres. Ainda assim, as mulheres, e os homossexuais, não têm a mesma aceitação como parte do sistema e como sujeitos plenos de direitos humanos, faltando-lhes frequentemente a proteção do direito.
A falta de proteção do direito às questões específicas das mulheres (e, ainda mais, dos homossexuais) somou-se a primazia da regulação e aplicação do direito na esfera pública. Karen Engle, ao tratar da distinção entre o público e o privado, critica o direito internacional público apresentando duas posições: uma que entende que ele é falho porque ao excluir o privado – a esfera doméstica, onde a mulher está mais presente – deixa de ser realmente universal; e outra que entende que ele usa a divisão entre público e privado de forma conveniente para evitar questões relativas às mulheres. De acordo com os defensores da primeira tese, o direito internacional público deve ser reconceitualizado para incluir as mulheres e o espaço privado. Já para os outros, os instrumento doutrinários necessários para acomodação das mulheres no direito internacional já existem nos direitos humanos, o que significa que sua aplicação é feita de forma inconsistente – bom exemplo é a possível intervenção para abolir formas ‘privadas’ de violência, como o canibalismo ou a escravidão.
 
A análise de Engle, acima exposta, indica claramente que não era do interesse do Estado regulamentar o que ocorria no âmbito doméstico, sendo-lhe conveniente manter-se alheio ao que lá se passava. Daí porque os direitos reprodutivos ficaram por tanto tempo sem regulamentação estatal. Já a regulação da sexualidade mantém-se até o presente na interface entre o público e o privado. Se por um lado, o exercício dos direitos sexuais está no âmbito da privacidade e da liberdade sexual relativa à forma como se obtém prazer; por outro, é preciso a proteção estatal para que essa liberdade possa ser exercida plenamente, sem discriminação, coerção ou violência. O equilíbrio da regulação e desregulação estatal – ou seja, entre liberdade e proteção - é como dizem Sonia Corrêa e Maria Betânia Ávila;  
 “Ao romper as barreiras da esfera privada, em que, com frequência, ocorrem os abusos em relação à sexualidade (e à reprodução), pode-se dar espaço para uma exagerada intervenção estatal implicando restrição à liberdade do indivíduo.”

Ao buscar este equilíbrio, corre-se o risco de se estar a fazer um convite para o abuso da discricionariedade estatal, resta evidente, pois, que a primazia da regulação e aplicação do direito na esfera pública contribui para que mulheres e minorias sexuais não tenham a proteção necessária do direito para exercer suas cidadanias no âmbito doméstico. A democracia, como nos ensina Pitanguy, não se refere apenas ao exercício da cidadania na esfera pública, mas também às relações na vida cotidiana, no trabalho, na família, na saúde, na educação.
Em vista disso, como o movimento feminista conseguiu trazer a demanda por direitos reprodutivos e sexuais para a esfera do direito?  A formulação dos direitos reprodutivos, e sua consequente positivação, deram-se a partir de sua aliança com o direito à saúde. Como um direito humano, a saúde apareceu pela primeira vez na DUDH, de 1948, tendo sido mais bem definido posteriormente em inúmeros documentos internacionais de proteção aos direitos humanos. É o caso do artigo 12 do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966, que o formula como “o direito de toda pessoa de desfrutar o mais elevado nível de saúde física e mental”, exemplificando medidas que devem ser adotadas para assegurar seu pleno exercício.
A CEDAW, de 1979, no seu artigo 12, também prevê o direito à saúde como um direito das mulheres, ressaltando a importância de “assegurar-lhes, com base na igualdade dos homens e das mulheres, o acesso aos serviços médicos, incluindo os relativos ao planejamento familiar”. O 2º parágrafo do artigo estabelece como obrigação dos Estados-Partes fornecer às mulheres serviços apropriados gratuitos durante a gravidez, parto e pós-parto. Esses são exemplos da evolução do conceito de direito à saúde na arena internacional.
Assim respaldado nestes dispositivos, o movimento feminista começou a lutar na década de 70 pelos direitos reprodutivos, reivindicando a descriminalização do aborto. O aborto, enquanto um obstáculo ao exercício da liberdade humana da mulher, é um problema de saúde pública. Isso porque muitos são realizados de forma insegura, com riscos à saúde das mulheres, senão sua morte. De acordo com Rebecca Cook, “a OMS estimou que a cada ano morrem 500.000 mulheres de causas relacionadas à gravidez, sendo que o aborto inseguro gera entre 25 e 50% dessas mortes”. Sob a ótica da saúde, estas são evidentemente mortes evitáveis, e para demonstrar a negligência estatal em relação às mulheres o movimento feminista usou dados estatísticos, que ajudaram a trazer para o debate público a necessidade de positivação dos direitos reprodutivos e o dever positivo dos Estados de prestar assistência à saúde integral da mulher - o que requer a formulação e execução de políticas públicas. Contudo, à época, a mesma ligação entre saúde e direitos sexuais não foi possível.  Associados à liberdade sexual, à privacidade e ao direito de não sofrer discriminação, coerção ou violência, o Estado deixou de regulamentar os direitos sexuais para salvaguardar a vida privada do indivíduo, principalmente de sua interferência, reitere-se que a sexualidade esteve ausente do discurso internacional sobre os direitos humanos até 1993.  Não só o discurso sobre os direitos humanos, aceita a vida sexual apenas de modo implícito e, mesmo assim, restrita à reprodução e, portanto, ao casamento heterossexual. Basta pensar que nem mesmo a CEDAW menciona a liberdade sexual ou os direitos das lésbicas. Como nos ensinam Wilza Villela e Margareth Arilha;

“Não faz sentido isolar a categoria “lésbica” da discussão política sobre opressão sexual que sofrem todas as mulheres, independente de sua orientação sexual.”

Mas, como a história bem demonstrou, existem “dimensões da autonomia privada da pessoa humana tão relevante para a sua dignidade, que se torna necessário protegê-las até mesmo do legislador, encarnação da vontade das maiorias”. Os direitos sexuais, embora principalmente de caráter negativo - de abstenção estatal - exigem uma prestação positiva do Estado, qual seja garantir seu exercício.
Esta constatação, entretanto, não foi suficiente para haver a regulamentação dos direitos sexuais. Foi somente com a eclosão da epidemia da AIDS, nos anos 80, que por uma questão de saúde, a sexualidade foi incorporada ao debate público internacional. Esta associação foi, novamente, determinante para as conquistas de direitos, neste caso dos gays e lésbicas.
 
Em países em desenvolvimento a vinculação com o direito à saúde ainda é muito importante. É por meio de um serviço público de saúde eficiente que mulheres, gays e lésbicas “conseguem” exercer plenamente sua cidadania, desde que protegidas sua liberdade e autonomia, restando que a vinculação com o direito à saúde viabilizou a formulação e positivação dos direitos reprodutivos e, posteriormente, ainda que de forma preliminar, a dos direitos sexuais.
As Declarações e os Programas e Plataformas de Ação de Conferências Internacionais, quaisquer que sejam - entre outros, de População e Desenvolvimento ou da Mulher - são considerados soft law, ou seja, não têm caráter vinculante como os tratados e convenções de direitos humanos. São, de fato, compromissos morais dos Estados signatários, que não implicam uma tradução automática para as legislações domésticas. Estes compromissos resultam em pressão externa para que se cumpra o acordo e, eventualmente, um constrangimento político para o Estado no caso de descumprimento. Supõe-se, assim, embora sem garantias, estar-se a incentivar a efetivação dentro das fronteiras nacionais do que foi objeto de consenso internacional. Não obstante, como esse incentivo por intermédio de mecanismos de soft law muitas vezes não é suficiente, a comunidade acadêmica tem procurado identificar direitos presentes em tratados de direitos humanos relacionados aos direitos sexuais e reprodutivos que possam lhes dar maior consistência normativa. Por serem, estes sim, juridicamente vinculantes, geram a obrigação legal para os Estados de efetivar os direitos sexuais e reprodutivos - mesmo que por meio de uma argumentação jurídica indireta.
Créditos:
PEREIRA, Bruno Yepes, Curso de Direitos Internacional Público. Saraiva – 3ª edição – 2ª tiragem – 2009
ACCIOLY, Hidelbrando_ SILVA, Geraldo Eulálio do Nascimento e Silva. Manual de Direito Internacional Público. Saraiva – 12ª edição – 1996
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REVISTA VEJA – Ed. 2216, Ano 44 – nº 19, p. 98
REVISTA VEJA – Ed. 2215, Ano 44 – nº 18, p. 62
REVISTA VEJA – Edição Extra nº 2189, Ano 43 – ESPECIAL, pp. 70-75

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