Elaborado em 03/2011.
"O senhor tem o direito de permanecer em silêncio, sem que isso seja interpretado em seu desfavor". Eis a fala inicial do juiz-presidente no momento do interrogatório do acusado na sessão plenária.
Questiona-se se – de fato – é possível impelir o jurado a deixar de lado pensamentos como o de que "quem não deve, não teme" ou ainda o que de "quem cala, consente", e ignorar essa conduta – no mínimo antipática – do acusado, para proferir uma decisão isenta e imparcial, como se espera de qualquer juiz, seja ele leigo ou togado.
O direito ao silêncio está esculpido na Constituição de 1988, mais especificamente no artigo 5º, inciso LXIII, que dispõe: "o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado".
Entretanto, é preciso lembrar que a mesma Carta Magna garante o princípio da soberania dos veredictos (art. 5º, XXXVIII, c), de onde se extrai subprincípios como o da incomunicabilidade dos jurados e o da íntima convicção.
Por conta disso, inúmeros elementos podem ser utilizados pelos julgadores leigos para traçar seu veredicto, desde as provas apresentadas no processo, o passado do acusado, a desenvoltura das partes durante os debates, a lógica argumentativa ali estampada, a linguagem apresentada por cada debatedor, enfim, uma infinidade de circunstâncias que serão decisivas para a formação de uma opinião.
A partir das diversas variáveis presentes no julgamento do tribunal do júri, torna-se praticamente impossível identificar quando (se) o silêncio do réu foi considerado ou não para sua condenação.
Mesmo assim, ignorando essa característica intrínseca do julgamento popular, o legislador continua querendo interferir no livre convencimento íntimo do conselho de sentença.
A lei que modificou o procedimento do tribunal do júri trouxe consigo nova redação dada ao artigo 478 do Código de Processo Penal, que veda qualquer referência ao uso do direito de se calar do réu.
Lê-se:
Art. 478. Durante os debates as partes não poderão, sob pena de nulidade, fazer referências: (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008)
I – à decisão de pronúncia, às decisões posteriores que julgaram admissível a acusação ou à determinação do uso de algemas como argumento de autoridade que beneficiem ou prejudiquem o acusado; (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008)
II – ao silêncio do acusado ou à ausência de interrogatório por falta de requerimento, em seu prejuízo. (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008)
A propósito, tal dispositivo legal é de uma ineficiência gritante.
Em primeiro lugar, não se pode fazer referência à decisão de pronúncia, mas ela deve ser distribuída aos jurados logo após o compromisso legal [01].
Em seguida, não se pode falar sobre o uso das algemas, mas, por exemplo, nada impede que se leia o conteúdo da decisão que decretou a prisão ou mesmo a folha de antecedentes penais do réu.
Após, o silêncio sobre o silêncio.
A norma jurídica somente tem sentido caso seu descumprimento possa ser repreendido. Se não há como vislumbrar se o réu calado contribuiu para sua condenação, exigir que esse silêncio seja respeitado pelo jurado é enganar-se a si próprio e ao acusado.
Diferentemente a isso está a decisão do juiz togado. Sua sentença tem livre convencimento, mas ele o é motivado. Daí, o controle acerca do uso do direito ao silêncio é eficiente e razoável.
Não satisfeito com esse tipo de impedimento, há ainda quem entenda que falar sobre a ausência do réu em plenário igualmente ofenderia o dispositivo legal mencionado.
Quanto a isso, não se pode olvidar de uma norma básica da interpretação jurídica, que assevera que as normas proibitivas devem ser interpretadas restritivamente.
Diante disso, é preciso reconhecer que o princípio constitucional nemo tenetur sine detegere dá espaço à soberania dos veredictos, quando se cuida do tribunal do júri. Exigir do jurado que ele não leve isso ou aquilo em consideração para julgar é tentar criar uma ficção insustentável diante da realidade de quem decide sem motivar.
http://jus.uol.com.br/revista/texto/18911/o-silencio-no-tribunal-do-juri
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