O vídeo abaixo fala por sí.
Com o surgimento dos
primeiros indícios de que a onda de terror de 11 de setembro de 2001 nos
Estados Unidos foi obra de radicais islâmicos, uma questão tornou-se
inevitável: quem é essa gente que se suicida jogando aviões contra edifícios?
Que se veste de bombas e se explode em supermercados e pizzarias de Israel? Que
estoura carros recheados de explosivos contra muros de quartéis? Quem é, enfim,
essa gente que se mata em nome de Alá? Atualmente, calcula-se que exista em
torno de 1,3 bilhão de muçulmanos no mundo, divididos em diversas correntes
religiosas - e apenas uma parcela pequena está disposta a entregar a vida pela
causa. São muçulmanos que integram ramificações extremistas da religião, como
os sunitas do Afeganistão e os xiitas do Líbano, para os quais o suicídio em
nome de Alá, normalmente cometido aos gritos de "Deus é grande", é
uma forma suprema de entrega ao amor divino. A maioria dos muçulmanos, no
entanto, repudia os ataques suicidas e os considera pecado extremo, uma ofensa
contra Alá, na medida em que atenta contra o dom da vida - um dom divino.
"O primeiro equívoco comum entre ocidentais e cristãos é considerar todo
islâmico um extremista suicida e, por extensão, um terrorista em
potencial", adverte a historiadora Maria Aparecida de Aquino, da
Universidade de São Paulo.
O
islamismo é a religião que mais cresce no planeta, e ganhou visibilidade nas
últimas décadas em função de sua imensa riqueza estratégica: eles são donos das
mais generosas reservas de petróleo do mundo. O crescimento do rebanho e a
fartura do petróleo, no entanto, produziram um barril de pólvora. Em geral, os
regimes dos países islâmicos são ditaduras teocráticas e a riqueza não é
distribuída, deixando a maior parte da população relegada à miséria. É dentro
desse caldeirão paradoxal que ressurgiu a força da religião, em especial depois
da Revolução Islâmica no Irã, em 1979. "Num ambiente de carência social e
autoritarismo político, a religião funciona como uma poderosíssima válvula de
escape", define a historiadora Maria Aparecida de Aquino, da USP. Mas isso
não é tudo. Até pouco tempo atrás, a América Latina também convivia
simultaneamente com miséria e ditadura - e, no entanto, nunca se viram grupos
extremistas de latino-americanos promovendo atos de terrorismo pelo mundo afora
em nome de sua libertação econômica e política. Por que então alguns grupos de
fanáticos islâmicos chocam o mundo com espetáculos inimagináveis de terror? A
explicação sobre o que move esses extremistas, segundo alguns especialistas,
talvez esteja num dado mais sutil: o choque de civilizações.
Cimitarra no coração - "Os Estados nacionais
permanecerão como os atores mais poderosos no cenário mundial, mas os
principais conflitos globais ocorrerão entre nações e grupos de diferentes
civilizações", aposta o professor Samuel P. Huntington, especialista em
estudos internacionais da Universidade Harvard e autor de um livro dedicado ao
assunto. "O choque de civilizações será a linha divisória das batalhas do
futuro." Nem todos os estudiosos do assunto concordam com a tese de
Huntington, mas não há como negar que, num mundo cada vez menor, cada vez mais
próximo, a religião também funciona como um instrumento de afirmação da
identidade nacional. E a globalização crescente é um processo que se desenrola
sob o comando inequívoco do mundo ocidental - em especial, do império
americano.
As
potências ocidentais não trilham sua trajetória segundo parâmetros da Bíblia,
da fé cristã, dos ensinamentos de Jesus, mas, mesmo assim, elas acabam por se
contrapor, culturalmente, aos países muçulmanos, muitos dos quais se pautam
pelo Corão, pela fé islâmica, pelos ensinamentos de Maomé. Hoje, as potências
ocidentais encontram-se no auge do poder. Os Estados Unidos, com sua
incomparável pujança econômica, seu formidável poderio militar e sua vigorosa
influência política e cultural sobre os destinos do mundo, representam o
triunfo dos valores ocidentais - pelo menos aos olhos de fundamentalistas
islâmicos, que, é sempre bom lembrar, são uma minoria entre os muçulmanos. Daí
por que o terror de 11 de setembro não se esgotou na destruição de arranha-céus
e na morte de inocentes. Pretendeu, sobretudo, cravar uma cimitarra no coração
e no orgulho da maior potência ocidental.
McDonalds no Líbano - Os extremistas, que enxergam o
mundo pela oposição entre Jesus e Maomé, se ressentem da avassaladora
influência ocidental sobre o planeta - nos costumes, nos hábitos de consumo, no
modo de vida. Tanto que, em países dominados por radicais islâmicos,
especialmente os talibãs do Afeganistão, tudo o que lembra a cultura ocidental
é proibido e severamente punido. Mas, de novo, isso não é uma regra. No Irã, há
grandes anúncios de produtos ocidentais pelas ruas de Teerã, existem mulheres
procurando cirurgiões plásticos, num sinal de vaidade antes inadmissível, e é
muito expressivo o contingente feminino que freqüenta a universidade - uma
raridade em algumas nações islâmicas que confinam a mulher aos limites do lar.
"Há aspectos do capitalismo ocidental que são plenamente aceitos pelas
populações muçulmanas", diz um diplomata brasileiro que serviu por oito
anos no Líbano. "As cadeias de fast food, como o McDonald's, fazem sucesso
do Marrocos ao Líbano," diz ele.
"Sem
dúvida, o extremismo religioso está ligado às frustrações, principalmente entre
os mais jovens, pois os países árabes têm economia fraca, analfabetismo e
desemprego crescente", afirma Sharif Shuja, professor de relações
internacionais da Universidade Bond, na Austrália. "Mas, além disso, o
massacre de muçulmanos na Bósnia, na Chechênia, na Palestina e na Caxemira faz
o mundo árabe imaginar que o Ocidente está contra ele", completa o
especialista. A melhor maneira de reduzir o crescimento do extremismo talvez
esteja na expansão democrática dos países islâmicos - tema ao qual as potências
ocidentais vinham dedicando pouca atenção até 11 de setembro. A riqueza
econômica do petróleo, por si só, não foi capaz de melhorar esse cenário.
"Na verdade, ocorreu o contrário", analisa o professor Michael
Hudson, da Universidade Georgetown. "Jordânia, Líbano, Marrocos e
Palestina, que não têm reservas petrolíferas, hoje são países muito mais
abertos que os ricos em petróleo, como Arábia Saudita, Iraque e Líbia." A
exceção é o Irã, único islâmico rico que vive um acelerado processo de
democratização.
'Todas as armas' - Osama bin Laden e sua corte de
fanáticos viviam na clandestinidade, enfurnados em cavernas do Afeganistão,
envoltos numa aura de mistério, mas seus objetivos são bem claros. Basta
consultar os escritos do milionário que virou o mais exaltado dos radicais
islâmicos. Primeiro, ele pretende expulsar os militares americanos das bases
que eles mantêm na Arábia Saudita, onde a mera presença de não-muçulmanos é
vista pelos fanáticos como uma profanação do solo santo onde nasceu o Islã.
"Todos os esforços devem ser concentrados em combater, destruir e matar o
inimigo até que, pela graça de Alá, esteja completamente aniquilado",
esclarece Laden, em documento datado de 1996. Realizada a primeira missão
divina, ele pretende partir para a segunda, de alcance mais amplo: unir todos
os muçulmanos numa mesma comunidade, governada de acordo com a interpretação
mais literal e estrita dos preceitos do Corão.
Para
isso, os governos dos países muçulmanos considerados corrompidos pela
influência ocidental - ou seja, todos - devem ser varridos do mapa. Sem
fronteiras nacionais, unificados sob esse governo ideal, chamado califado, os
verdadeiros crentes se lançariam então rumo à etapa final - arrebatar o resto
do planeta. "Chegará o tempo em que vocês desempenharão papel decisivo no
mundo, de forma que a palavra de Alá seja suprema e as palavras dos infiéis
sejam subjugadas", prometeu ele a seus seguidores. Em qualquer uma dessas
etapas, o dever dos muçulmanos é empregar todas as armas possíveis para atacar
os inimigos de Alá. O título do documento em que faz essa afirmação diz tudo:
"A Bomba Nuclear do Islã". Parece coisa de uma mente delirante, dos
gênios do mal caricaturados no cinema ou nas histórias em quadrinhos. A forma
aberrante de fanatismo religioso pregada por Laden, porém, tem raízes bem
fincadas na história da religião muçulmana, constantemente marcada por esse
desejo de mergulhar na fonte original, de beber da palavra mais pura do Corão,
de reviver um passado mítico.
Período de decadência - Uma comparação
que ajuda a entender a mentalidade fundamentalista é com a Igreja Católica na
fase em que se encontrava quando tinha a mesma "idade" do Islã hoje.
Naquela época, os padres da Santa Inquisição queimavam pessoas que não
acreditassem em dogmas católicos. Torturavam e matavam suspeitos de crimes como
bruxaria. Qualquer idéia inovadora era condenada, mesmo que fosse uma idéia
científica defendida por pesquisadores de talento, como Galileu Galilei, que
sofreu perseguição no século XVII por ter afirmado que a Terra girava em torno
do Sol. Os historiadores também coincidem ao apontar as razões desse movimento
de refluxo: em comparação com seu passado glorioso, os países islâmicos vivem
hoje um período de decadência. O Ocidente cristão, com o qual conviveram e
combateram ao longo dos séculos em pé de igualdade, às vezes até de
superioridade, superou-os vastamente em matéria de progresso material,
científico, administrativo e tecnológico. A primeira organização
fundamentalista moderna, a Fraternidade Muçulmana, foi criada em 1928 pelo
xeque Hasan al-Banna num Egito humilhado pelo colonialismo britânico. Também
ganharam contornos de males a ser combatidos as liberdades individuais, a
emancipação das mulheres, as mudanças nos padrões familiares e outras
transformações que se sucederam nas sociedades ocidentais.
Chegamos,
assim, àquilo que distingue o fundamentalismo em sua vertente mais extremada: o
recurso à violência como meio não só legítimo como obrigatório. Ancorados em
textos do Corão ou ensinamentos do profeta e seus seguidores, evidentemente
interpretados da maneira mais literal, os fundamentalistas aperfeiçoam há
séculos uma teoria da violência total. "Aqueles que ignoram tudo do Islã
pretendem que ele recomende não fazer a guerra. São insensatos. O Islã diz:
'Matem todos os infiéis da mesma maneira que eles os matariam'", escreveu
um dos aiatolás que lançaram as bases da revolução fundamentalista que derrotou
o regime do xá Reza Pahlevi no Irã. O aiatolá complementa: "Aqueles que
estudam a guerra santa islâmica compreendem por que o Islã quer conquistar o
mundo inteiro. Todos os países subjugados pelo Islã receberão a marca da
salvação eterna. Pois eles viverão sob a luz da lei celestial". Quando
Osama bin Laden diz que "matar americanos e seus aliados, civis e
militares, é um dever individual de todo muçulmano que tenha condições de fazer
isso, em qualquer lugar onde seja possível fazer isso", ele está seguindo
exatamente o mesmo raciocínio.
Crédito:
Veja.com
G1
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